ART DUBAI (BAWWABA) 2022
A CITY CALLED MIRAGE
Kiluanji Kia Henda estava no sul de Angola quando, atravessava uma cidade quase engolida pelas areias do deserto do Namibe, notou uma tabuleta de metal enferrujado na qual estava escrita a palavra “Miragem”. A palavra, corroída pelo tempo, tornou-se de repente um símbolo – algo extremamente concreto e abstrato. A fotografia daquela placa viria a ser o ponto de partida para uma série de trabalhos que formaram “Uma Cidade Chamada Miragem”.
Se há uma cidade que sintetiza o aspecto ilusório de uma miragem, é Dubai. Ao mesmo tempo pastiche e microcosmo, modelo e paródia, diagrama e miragem, Dubai é onipresente. Não é por acaso que em vários meios de comunicação se fala de ‘Dubaização’, uma referência a uma série de fenômenos urbanos baseados em um estilo espetacular e virtual de arquitetura sem apego ao contexto territorial particular em que está inserido. Esta é uma arquitetura que preenche mares, aplana montes e demoliu edifícios históricos para criar projetos urbanos comissionados pela internet, tal como em Luanda, cidade natal do artista.
Em “Uma Cidade Chamada Miragem”, Kia Henda lida com a ausência de linhas divisórias entre a cidade real e seu modelo 3D. As esculturas em forma de linhas metálicas parecem desenhos que se destacam da paisagem, silhuetas ou esqueletos de uma cidade imaginária. Kiluanji baseou estas esculturas lineares dos sona, desenhos de areia comuns à cultura Lunda Tchokwe (do leste de Angola). Os contadores de histórias desenham os sona (plural de ‘lusona’) na areia enquanto contam fábulas. Esses desenhos são construções narrativas autênticas que condensam o contorno da história contada. Kia Henda transforma esses desenhos efêmeros em objetos tridimensionais, estruturas imaginárias no deserto. Mas, ao contrário dos Tchokwe, os diagramas de Kiluanji traçam histórias virtuais futuras desconectadas do passado.
Na megalópole, o capital cria o mundo à sua imagem e semelhança. Como todas as mercadorias, as cidades são personalizadas e descartáveis. Essa customização em massa se soma à produção de espaços sensoriais. A arquitetura torna-se subitamente uma droga que confere uma “alucinação de normalidade”.
Durante um ano, Kiluanji participou num projeto internacional no qual produziu e colaborou com arquitetos, artistas, atores, músicos e técnicos de cidades como Amã, Dhaka, Karachi, Lisboa, Luanda, Manila, Nova Iorque, Paris, Rio de Janeiro , Sharjah e Windhoek. A City Called Mirage é uma exposição complexa que explora abordagens originais a um tema recorrente nos últimos tempos: o das cidades entre os estados de virtualidade e desertificação. Kiluanji usa a ficção (científica e mitológica) e a ironia como formas de transcender o pessimismo da hipercrítica e a estética da ruína. Através do humor nos conscientizamos do quão efêmeras são as maiores construções humanas: todas as cidades serão novamente reduzidas a matérias-primas, assim como os metais retirados do solo voltarão a se fundir nele.
Extrato de Uma Cidade Chamada Miragem de Lucas Parente