CECI EST UN BIDON

BINELDE HYRCAN 

CECI EST UN BIDON 

“Isto é um bidon. Foi feito para armazenar óleo de cozinha, mas usamos para tudo.” Se o bidon de plástico amarelo de 20L falasse, contaria muitas histórias…. Normalmente  chega a Angola como embalagem de óleo alimentar importado de produtores da Ásia.  Uma vez em Angola, o conteúdo é consumido, o bidon é lavado, seco e pronto para  começar uma nova vida. 

Se o abastecimento de água falhar, enche-se o bidon [de preferência mais cedo] com  água para se suster durante o período de seca. Se o fornecimento de energia falhar,  enche se obidon [de preferência mais cedo] com combustível para ligar o gerador até  que a energia retorne. 

Os bidões estão por toda a parte de Luanda. Eles circulam pelas ruas carregados nas  mãos das pessoas ou em suas cabeças. Eles viajam em carrinhos de mão, nas traseiras  dos carros e kupapatas – motocicletas de três rodas com carroceria. Eles param em  postos de gasolina e cisternas de água, são empilhados em mercados ao ar livre ou  alinhados ordenadamente ao lado das estradas principais onde são anunciados para  venda. Eles são encontrados nas casas agrupados perto do gerador no quintal ou da pia  da cozinha. 

São obrigatórios na cidade e no campo. Raramente encontra-se um bidon descartado  ou abandonado. Mesmo um bidon velho e quebrado pode ser utilizado como um banco  ou cortado ao meio para ser reutilizado como uma jarra. Pode-se até especular que não  há angolano que não possua um. 

Por trás da ‘história de sucesso’ da elevada reutilização do bidon existem histórias  menos comerciais: para a maioria da população de Luanda, a água para beber, cozinhar,  limpar e lavar provida de um bidon, cujo custo é de 100-150 AOA [15 -20 cêntimos de  euros] por 20L que muitos não podem pagar diariamente. O mesmo vale para a fonte  de alimentação. Frequentes interrupções de energia significam que nem as residências  nem as indústrias podem contar com a energia da rede. O gerador por excelência, é o  suprimento de reserva, com sua poluição ambiental responsável e custo final agregado  aos bens de consumo produzidos localmente. Tudo isso em um país com fartura de  recursos hídricos e hidroelétricos por serem aproveitados. Esta é, no entanto, outra  história que o deixaremos decifrar. 

O bidon é uma peça da vida contemporânea angolana que se tornou um património. É  nossa herança da guerra civil de 27 anos – um longo período de falta de tudo -, de  políticas econômicas que exportam uma mercadoria e importam todas as outras, de  uma governança corrupta que falha em fornecer serviços básicos para todos. É também  um armazenador de estórias. Por trás de cada litro de água cuidadosamente dispensado,  cada decisão de beber ou cozinhar, lavar ou limpar [ou simplesmente prescindir], cada  incêndio causado por falha de abastecimento do seu gerador, está uma pessoa lutando,  superando ou oprimida pelas circunstâncias. Essas histórias de sobrevivência também  são nossa herança. 

Tila Likunzi

Curadora